domingo, novembro 28, 2010

O Lutador



Tentar descrever o show de Paul McCartney com palavras é uma coisa extremamente vã, assim como o poeta Carlos Drummond de Andrade dizia que lutar com palavras era uma luta vã, mas, no entanto lutava, eu lutarei aqui para tentar descrever com minhas palavras como foi o show.

Primeiro sou obrigado a lembrar que quinze anos separavam essa à minha primeira ida à cidade de São Paulo quando estive no Estádio do Pacaembu em janeiro de 1995 para assistir ao primeiro show no Brasil dos conterrâneos de Sir Paul, os Rolling Stones. Era a turnê Voodoo Lounge e o show foi fantástico, o primeiro grande show internacional que eu vi. Dois anos antes Paul havia passado pelo Brasil com a New World Tour e eu não me perdoava por ter perdido, na verdade também não me perdoava por ter perdido seu show no Maracanã em 1990 apesar da pouca idade em ambas as ocasiões.

O tempo passa. São Paulo, 21 de novembro de 2010, por volta de 17h30min no horário de verão brasileiro, estou dentro do Morumbi, tenso, emocionado, faltam cerca de quatro horas para Paul entrar no palco, não acredito que estou aqui para ver um show dele, olho pro palco, pros equipamentos, penso: Caramba! Chegou minha vez

O show começou com o tradicional vídeo de introdução mostrando fases de toda a carreira de Paul McCartney e fatos da história mundial durante sua jornada musical. Achei um pouco longo, em parte pela expectativa de ver o show começar e talvez porque tivesse pouco movimento sendo que ele consistia em fotos e recortes de jornais acompanhados de versões remixadas de algumas de suas canções. Achava bem mais bacana o vídeo da New World Tour, mas enfim, nada que desabonasse o show, foi legal ficar tentando reconhecer quem era quem nas fotos.

Finda o vídeo e eis que ele surge no palco calçando uma botinha-beatle, usando uma calça preta, camisa branca, suspensório e o blazer azul que pegou emprestado com o Rei Roberto Carlos (o blazer roxo que ele usou em Porto Alegre e na segunda apresentação em Sampa estava na tinturaria) e deixa a todos atônitos, acredito que especialmente àqueles que como eu nunca o tinha visto ao vivo. Sim, logo ali na frente, no palco, estava James Paul McCartney, a lenda entre as lendas do rock, o cara responsável por todas aquelas canções e gravações magistrais que mudaram a história da música popular seja em carreira solo, com os Wings ou com aquela outra banda com a qual ele começou sua carreira.

Para começo de conversa, ele abriu o show com a canção que eu esperava, o medley Venus And Mars/Rockshow. Como ele também abriu outros shows dessa turnê e da anterior com Magical Mystery Tour (como aconteceu na apresentação da noite seguinte em São Paulo) eu fiquei com receio de não ter o prazer de ouvir esse medley magistral na abertura do show, embora também goste muito de Magical Mystery Tour. Foi só Brian dedilhar os primeiros acordes no violão para a platéia enlouquecer mais do que já estava só de ver Paul e a banda no palco. Na sequência eles emendaram Jet, outra pancada sonora da fase Wings. Logo depois veio All My Loving, a primeira canção dos Beatles que foi sucedida por Letting Go, outro grande rock dos Wings que nunca me soou tão bem quanto nessa versão. Aliás, a banda atual formada por Abe Laboriel Jr. (bateria e vocais), Paul “Wix” Wickens (teclados, vocais e eventualmente um violão), Brian Ray (guitarra, baixo e violão) e Rusty Anderson (guitarra, violão e vocais), além de Paul (baixo, piano, violão, ukelele e bandolim) soa bem pesada, com uma pegada mais pra Wings do que para Beatles, ao contrário da banda que acompanhou Paul na Get Back Tour (1989/90) e na New World Tour (1993) e talvez por isso mesmo Paul McCartney tenha dito que as canções dos Wings algumas vezes têm sido mais bem recebidas pelo público do que as dos Beatles. Que o leitor não imagine que as músicas dos Beatles não soem bem com a banda, muito pelo contrário, mas em termos de fidelidade sonora, realmente as músicas dos Wings soam mais próximas do Rock´n´Roll produzido por Paul durante os anos 1970. Drive My Car precedeu Highway do projeto paralelo Fireman (mais uma das incursões de Paul pelo universo da música experimental/eletrônica, dessa vez em parceria com o produtor Youth). Let Me Roll It fez com que Paul abandonasse o seu indefectível baixo Hofner em favor da guitarra pela primeira vez no show e foi outra que há tempos não ouvia com tanta empolgação. Depois ele sentou-se ao piano para convidar a platéia a uma viagem aos anos 1960, era uma chamada para entoar uma de suas mais belas baladas, The Long And Widing Road. Ainda ao piano dedicou a música que viria aos fãs dos Wings (como se já não tivesse tocado e ainda fosse tocar várias outras músicas dessa fase), acabei esquecendo que ele vinha executando Nineteen Hundred And Eigthy Five durante a turnê e fui pego de surpresa pela introdução da canção, motivo para subir mais um grau no nível de empolgação. Também ao piano e do repertório do Wings veio Let ‘Em In e My Love, feita para sua “gatinha, Linda”, como ele disse, esposa e parceira na banda e em toda a carreira solo até sua morte em 1998. De violão em punho atacou a introdução de I´ve Just Seen a Face que arrepiou logo no primeiro acorde da introdução, impressionante o poder de comoção que Paul consegue ter com sua música. O set acústico ainda rendeu And I Love Her e Blackbird e a homenagem a John na canção Here Today quando Paul pareceu ter se emocionado além do normal com a marcação de palmas iniciada pela platéia da arquibancada. Impressionante, essa era ainda apenas a décima quinta canção da noite e o todos já estavam mais que arrebatados. O baterista Abe arrancou risadas da galera ao ensaiar umas dancinhas durante Dance Tonight, sem descuidar do bumbo da bateria que continuava tocando enquanto mostrava seu potencial de dançarino. Mrs. Vanderbilt, outra pérola do disco Band On The Run que está sendo relançado numa nova masterização veio em seguida com direito a pulinhos empolgados de Paul durante o refrão. Para se recuperar do exercício extra, tocou a balada Eleanor Rigby, mais uma preciosidade musical que ele tem na manga. Com o ukelele ganhado de presente de George Harrison, Paul iniciou a versão intimista de Something que vem fazendo há algum tempo para depois a banda se juntar a ele provocando uma catarse no público que ainda se somou com as imagens de fotos de George no telão. A comoção é total. Sing The Changes também do segundo disco do Fireman é outra música que acabou parecendo mais um rock tradicional da carreira de Paul ao vivo do que parte de um projeto experimental assim como Highway. Entre tantas faixas de Band On The Run não poderia faltar claro a música título, uma mini-suíte impecável. Ob-La-Di, Ob-La-Da que está sendo tocada por ele ao vivo pela primeira vez é tão contagiante que me fez pensar porque não havia sido tocada antes em outras turnês, parecia ser uma escolha tão óbvia pra um show. Daí para frente só deu Beatles: Back In The USSR, I´ve Got A Feeling, Paperback Writer (tocada com a mesma guitarra Epiphone Casino com a qual foi gravada por Paul em 1966), A Day In The Life (emendando com Give Peace A Chance de John quando balões brancos surgiram no meio da platéia num ato combinado voluntariamente pelos fãs via internet) e Let It Be até chegar à perfomance apoteótica de Live And Let Die dos Wings com as explosões e fogos de artifícios. Para fechar, Hey Jude que me pareceu a versão mais curta já tocada por ele em um show. Será que foi por eu estava lá que pareceu tão curta? A impressão não foi só minha. Pronto, finalizo aqui o enorme parágrafo para você ter uma idéia da sequência eletrizante de até então aproximadamente duas horas e vinte minutos de show. A banda agradeceu ao público e deixou o palco para...

...voltarem logo em seguida para o bis que se iniciou com Day Tripper numa versão um pouco mais pesada que a original (como, aliás, já disse, soam as canções dos Beatles com a banda atual de Paul que já está com ele há dez anos), e depois teve Lady Madonna e Get Back. Sobrou tempo ainda para ele brincar e improvisar uma musiquinha com o nome de São Paulo. Pausa para respirar, tomar uma aguinha, quem sabe e...

...Paul de volta ao palco com seu violão Epiphone Texan toca Yesterday acompanhado apenas pelos teclados de Wix que reproduzem o arranjo de quartetos de cordas escrito por George Martin para canção originalmente gravada em 1965. Quando qualquer ser humano normal já teria aberto o bico depois de mais de duas horas e meia de show Paul tocou e principalmente cantou Helter Skelter, com aquela melodia alta e berrada como só ele consegue fazer. Ainda teve Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band (reprise) /The End para fechar a noite. Eu fiquei pensando que por ter sido um show tão bom, este deveria ter sido o melhor de TODA A CARREIRA dele (na verdade devo ter pensado assim porque eu estava lá pela primeira vez), mas, acho que foi um ledo engano, é impressionante, mas ele deve ser genial assim todas as noites. Na saída do palco Paul ainda tropeçou numa caixa de som e tomou um tombo que deixou a todos apreensivos por alguns segundos, porém ele levantou-se e continuou correndo e acenando para os fãs. Eu já tinha ficado bem preocupado que acontecesse um acidente assim com ele antes durante um pique que ele deu de um lado a outro do palco, mas no fim das contas o “véio” Macca parece estar bem melhor que o “véio” Moura e boa parte do público mais jovem que ele que estava lá, afinal ele parece até ter se cansado menos que nós que estávamos apenas assistindo. Eu desafio qualquer um aí a fazer isso e caso consiga, quero ver fazer aos 68 anos de idade.

Até a próxima, Paul!

PS.: Em alguns momentos durante o show obviamente começam a passar aqueles filminhos na cabeça, lembrando canções e fatos ligados a elas, um desses momentos foi quando me lembrei da primeira coisa que tive dos Beatles, uma fitinha k7 gravada de programas de rádio e numerada por mim como 000.000.1.

Ah, o título da postagem é inspirado no poema de mesmo nome de Carlos Drummond de Andrade, cujos primeiros versos são citados no primeiro parágrafo.

Dedicado aos parceiros desse e vários outros shows: André "Geléia" Guimarães, Francisco "Pan" Falabella, Adinam Franco Gonçalves, Eduardo "Frejat" Dornelas, Natália Santana, Leandro "Parmalat" Leroy, Baratta e a todos que estiveram no show e aos que infelizmente não puderam ir.

Fotos: 1.internet;2.Robert Moura; 3.André Guimarães clica o autor do blog imitando o gesto de Paul no pôster da turnê instalado no Morumbi com uma de suas camisas do Rei Roberto Carlos sempre presentes em show de Rock pelo Brasil afora.